Carlos Boneca

Era normal.

Todo dia pela manhã bem cedo se levantava e comprava seu jornal. Dava bom dia ao jornaleiro, ria de alguma piada sobre futebol. Seguia sua rotina voltando para casa passando pela padaria. Como no jornaleiro, dava bom dia a todos os funcionários, comprava seus pães, presunto e queijo (sempre prato, nunca muçarela).

Por volta das nove horas da manhã pegava sua bicicleta e descia pela Teodoro Sampaio até a Brigadeiro Faria Lima em direção ao trabalho, uma das muitas agências de publicidade de São Paulo. Era redator, ao menos era isso que os vizinhos sabiam. Trabalhava até as dezoito horas, quando voltava para casa.

Por sinal, morava em uma pequena vila, daquelas que ainda sobrevivem a especulação imobiáliaria e habitada em sua maioria por imigrantes italianos ou seus descendentes. Gente idosa em sua maioria. Carlos não era nem uma coisa nem outra.

A noite as luzes da casa se acendiam. Mas sem nenhum som. Apenas o brilho inconstante da televisão. Uma vez escutaram o som aumentar e diminuir repentinamente, em seguida Carlos saiu de casa e voltou horas depois com um novo fone de ouvido sem fio como viram os vizinhos.

Tudo era normal.



Até dezembro de 2011. Um dia Carlos saiu a noite, voltou na madrugada. No dia seguinte idem. As pessoas imaginaram que tivesse namorando, pois todos os dias ele voltava com uma menina no veículo. Mas as pessoas não sabiam.

Em janeiro de 2011 surgiram as primeiras notícias nos jornais. Mulheres desapareciam pela noite paulista. Primeiro eram prostitutas, depois pessoas normais. Não tardou e vizinhos começaram a associar os estranhos hábitos de Carlos com o possível assassino.

O que era burburinho tornou-se medo. Carlos continuava com seu hábito noturno, e agora os vizinhos monitoravam esse hábito. Até que em maio de 2011 ocorreu o primeiro assassinato misterioso na região.

Carlos foi denunciado. A polícia civil invadiu sua casa e não encontrou qualquer evidência de crime, nenhuma mulher viva ou morta. Mas encontraram algo, algo que mudou tudo.

Uma coleção de bonecas infláveis. Enorme. Mas não aquelas do tipo comum, mas tão fiéis ao corpo feminino que assemelhavam-se a mulheres de verdade, com cabelos reais. E Carlos admitiu que sentia-se tão só que levava as bonecas infláveis no carro durante a noite e voltava com elas infladas apenas para evitar julgamentos dos vizinhos sobre sua virilidade.

Carlos, de excêntrico para assassino e no final uma pessoa depressiva. Ganhou o apelido de Carlos Boneca.

A polícia pede desculpas e parte.

Carlos acena para os vizinhos e volta para sua casa. Para sua vida. Abre o armário onde guarda suas bonecas, com um portão escondido no fundo que leva para um porão escondido em sua residência. Onde toda noite levava suas vítimas, mulheres solitárias ou sofridas como ele, e as libertava do sofrimento, da agonia.

Em homenagem a elas, arrancava-lhes o cabelo e as imortalizava na forma de bonecas infláveis.

Esse era Carlos Boneca.

Um cara normal.




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