Revelações de Jonas: Conspiração
Quinta Etapa do Plano
Tirolez?
Albano era uma pessoa de poucas palavras... Que lembrava muito.
Era um homem magro, alto, com traços europeus. Isso contrastava nitidamente com seu sotaque nordestino, mais especificamente do litoral do Sergipe. Ele era descendente de uma família holandesa que se estabeleceu no país durante a invasão da Holanda ao nordeste. Acabou vindo morar no bairro do Leme, Rio de Janeiro, de um modo diferente do tradicional em virtude da profissão de seu pai. Seu pai era piloto de testes de aviões da FAB e por motivos de força maior teve que ser transferido para a base do III Comar, localizado na Praça XV. Esse fato aconteceu em fevereiro de 1985, quando Albano ainda tinha dez anos. A maior parte de sua infância aconteceu dentro do quartel, pois aficionado pela vida e imagem perfeita do pai, sempre o acompanhava no serviço.
Em virtude disso deu seu primeiro tiro aos doze anos com uma arma surrupiada de um soldado dorminhoco na base aérea. Seu pai soube de tudo na hora do disparo (não era surdo, assim como todos do quartel). Albano tinha dado um tiro certeiro em uma latinha de refrigerante a cem metros dele, que colocara numa mureta da base. A pontaria do jovem acabou salvando-o de uma bronca do pai e, por sua vez, dos superiores e garantindo-lhe uma vaga única na Academia de Tiro das forças armadas. E isso com apenas doze anos.
Quando completou quinze anos foi campeão brasileiro em uma competição não-oficial militar de tiro, nas categorias Alvo Estático e Alvo em Movimento. Ganhou de prêmio um curso de tiro profissional, pago pelo dinheiro arrecadado pelo concurso e foi realizá-lo nos Estados Unidos. Lá aprendeu a manejar diversos tipos de munições e os mais diversos tipos de situações que poderia passar tanto com armas manuais quanto com automáticas. Voltou com dezessete anos de sua viagem e fez prova para fuzileiro da força aérea. Foi quando seu mundo até então perfeito deu suas caras.
Seu pai havia sido deslocado, em função da idade, para funções burocráticas dentro da Força Aérea e sua mãe estava cada vez mais preocupada com ele. Albano não conseguia entender o que acontecia, em meio a volúpia adolescente, e deixou escapar diversos sinais de que algo estava errado. Primeiro seu pai adquirira o hábito de beber, e depois disso sua mãe começou a aparecer com diversas marcas pelo corpo que diziam ser provenientes de quedas as quais Albano nunca testemunhava. Mas sua mãe sempre lhe dizia para orar e para pedir proteção a Deus, pois enquanto tivesse fé, Deus os protegeria de tudo. E como um bom filho, Albano sempre acompanhava sua mãe na igreja e orava, estranhando apenas a ausência cada vez mais constante de seu pai. Era algo doentio, a fé de sua mãe aumentava na mesma proporção que a ausência de seu pai, e simultaneamente viu várias vezes sua mãe dando muitas somas de dinheiro nas mãos dos pastores da igreja para providenciar milagres que Albano não entendia quais eram.
Um dia Albano retornou de seu quartel, já com vinte anos de idade, e viu uma cena que o deixaria chocado. Sua mãe estava sentada no sofá com os olhos voltados pra cima. Em seu treinamento já tinha visto pessoas mortas antes e ele sabia o que estava acontecendo, mas nada o prepararia para chegar em casa e ver sua própria mãe nesse estado. Albano tentou ainda reanimá-la sem sucesso, foi quando percebeu que o pescoço dela tinha sido esmigalhado com muita força. Imediatamente pegou o telefone e ligou para a polícia, mas o telefone estava mudo. Sentindo uma péssima sensação, Albano se levantou e correu para a rua, tentando procurar algum vizinho. Foi ajudado pela vizinha do lado, que disse que tinha escutado uma violenta discussão entre os pais de Albano e que no final de tudo se silenciou e então o pai dele saiu apressado de carro.
Albano não queria acreditar nos fatos que socavam sua moral e sua integridade mental, e se levantou mentalmente. Pediu a vizinha para que o ajudasse chamando a polícia e disse que desconfiava de onde o pai estivesse, e que o traria para obter explicações. Pegou um táxi que o levou rapidamente para o local onde provavelmente seu pai estaria, o III Comar. Assim que chegou foi avisado pelos soldados que seu pai chegara perturbado e que estava dentro de um avião tucano que havia descido ali para fazer manutenção. Albano chegou no hangar correndo, mas só a tempo de ver o pequeno avião de acrobacias decolando rapidamente pela pista, sendo perseguido pelos mecânicos desesperados. Rapidamente Albano chegou até a torre de comando e solicitou a um dos controladores de vôo que tentasse falar com seu pai.
– Avião Tucano T-27, responda. – Disse o controlador. – Você decolou sem autorização da Torre, solicitamos retorno imediato ao local de origem. Câmbio.
– T-27 respondendo. – Disse o pai de Albano, do outro lado.
– Pai! Volte! – Berrou Albano, no microfone. – O que está fazendo? Enlouqueceu?
– Não filho, eu voltei ao normal... Um monstro como eu não pode viver em sociedade. – Informou seu pai. – Se você está aqui, viu o que fiz... Foi quando me dei conta do que deixei acontecer comigo mesmo. Deus me perdoe pelo que fiz, e pelo que farei. Câmbio, desligo!
Sem dar tempo de Albano falar mais nada, seu pai desligou o rádio em definitivo. Os radares do CINDACTA I ainda acompanharam a viagem do EMB-12 pelo radar até que ele desapareceu na imensidão das águas do oceano atlântico. Albano acompanhou tudo isso pelos radares com lágrimas nos olhos. Mesmo depois que o radar cessou de emitir informações sobre o tucano, Albano permaneceu parado no mesmo local, sem emitir reações. Preocupados com a saúde mental dos fuzileiros, os controladores de vôo chamaram uma equipe médica para ajudá-lo.
Dois meses de terapia se passaram no centro de saúde das forças armadas, em completa internação. Albano parecia ter se desligado do mundo nesse período, pois tudo aquilo que considerava mais sólido esfacelou-se como castelo de areia ao ser atingindo por uma onda do mar. Nessas semanas todas pensava na fé de sua mãe e de seu pai, em sua própria fé, e indagou-se onde estaria Deus nisso tudo. Sua resposta foi tão silenciosa quanto o que julgara ter percebido naquele fatídico dia. Exatamente no dia 19 de Julho de 1995, Albano recebeu alta do hospital psiquiátrico das forças armadas e foi levado para uma nova casa nos alojamentos da Vila Militar, com o objetivo que esquecesse as cenas horríveis que passara no Leme. E Albano permaneceu trancado naquele lugar, de licença médica, sem dizer uma única palavra por mais quase um ano.
Em março de 1996, uma pessoa foi a casa de Albano. Era um homem branco de cabelos loiros compridos, com aparência alemã, olhos azuis e uma voz sedosa. As mulheres da Vila Militar que moravam próximas de Albano ficaram encantadas pelo homem, que além de bonito era um verdadeiro cavalheiro. Ele tocou a campainha diversas vezes, sem resposta, até que um transeunte disse que a porta ficava sempre aberta e que Albano nunca saía de casa. O homem sorriu e abriu a porta. Como se conhecesse a casa, ele foi direto até o quarto de Albano, onde o militar licenciado assistia televisão.
– Bom dia, jovem Albano. – Disse o homem.
– ... – Silenciou Albano, apenas virando seu rosto na direção do desconhecido.
– Meu nome é Felipe, sei que é uma pessoa de poucas palavras, mas vim aqui oferecer um emprego... Uma forma de expurgar toda essa dor que sente em você.
– ...
– Bem... Eu represento uma firma de advogados que fica localizada nesse endereço da Avenida Presidente Vargas. – O homem entrega um envelope fechado na mão de Albano. – E temos para você uma nova possibilidade em emprego, algo que vai te tirar desse marasmo a que se submeteu quando aquele incidente trágico ocorreu.
– Quem lhe falou? – Perguntou Albano, falando pela primeira vez naquele mês.
– Temos nossas fontes... Se quiser saber mais, procure-nos.
O homem saiu do quarto de Albano e desapareceu em minutos, sem deixar qualquer vestígio de sua presença. Albano se levantou e foi até a janela de seu quarto, segurando o envelope. Com um canivete o abriu, e nele apenas tinha uma seqüencia de 12 números, divididos em três grupos de quatro algarismos cada. "Um telefone e um ramal, acredito.", indagou Albano. Ele foi até sua sala e discou os números na ordem em que apareciam, e uma voz eletrônica atendeu. "Somente recebemos ligações de celular", dizia a voz. Albano estranhou e se lembrou que o homem falara que o escritório ficava na avenida Presidente Vargas, e decidiu ir para lá. Horas depois estava na avenida Presidente Vargas, próximo a igreja da Candelária. Pegou seu celular e discou para o número. A voz eletrônica foi substituída por outra gravação, de uma mulher de voz sexy.
- Boa tarde, nosso endereço é Av. Presidente Vargas 1056, Sala 1304, obrigado. – Disse a gravação, repetindo diversas vezes.
Albano imediatamente caminhou até esse prédio. Era um prédio próximo a sede do DETRAN, com uma bela portaria e muita gente entrando e saindo. Parecia ser um simples prédio comercial, e por esse motivo não foi necessário se identificar com o porteiro. Depois de alguns minutos de espera na portaria, o elevador chegou e ele subiu até o décimo - terceiro andar, para a sala 04, que, aliás, era o último andar do prédio. Quando a porta automática do elevador abriu, Albano levou um susto, não havia corredor nesse andar, apenas uma sala pequena com as paredes cobertas por espelhos que davam a ilusão de ser um local maior que seus aproximadamente quatro metros quadrados. Do lado esquerdo da sala tinha um banco acolchoado com encosto, onde Albano se sentou, e uma câmera de segurança ficava apontada diretamente para o banco, na parede oposta. Assim que o elevador fechou suas portas, as luzes da sala se apagaram, deixando à mostra somente um ponto vermelho do sensor da Câmera de segurança.
A espera durou pouco tempo. Albano escutou um clique e uma pequena fresta de luz apareceu na quina da parede, revelando que uma das paredes era na verdade uma imensa porta corrediça coberta por um espelho. As luzes tornaram a acender e um homem baixinho vestindo um terno negro, oriental, veio até ele vindo por essa porta.
– Boa tarde, Senhor, em que posso serví-lo? – Perguntou o homem, com um leve sotaque que Albano não sabia de onde era.
Albano nada disse, apenas entregou o envelope que recebera. O homem sorriu gentilmente e pediu a Albano que o acompanhasse. Eles seguiram por um corredor com pelo menos cinco portas que ia dar em uma curva, nessa curva aparecia outro corredor com apenas uma enorme porta de madeira no final. O chão daquele lugar era todo acarpetado em vermelho, exceto quando estavam a uns dois metros dessa porta de madeira, onde o carpete vermelho acabou dando lugar a um carpete negro. O oriental parou de acompanhar Albano e disse a ele que abrisse a porta e aguardasse que seu anfitrião estava aguardando-o.
Ao entrar na sala Albano deu de cara com um imenso saguão cinzento. O saguão era do mesmo tamanho de uma sala de cinema. Todas as paredes eram adornadas por cortinas negras com detalhes em dourado mostrando diversas cruzes nas mais diversas posições. A uns três metros de altura, oposto a porta, tinha um maravilhoso vitral mostrando a figura de um anjo com uma asa de penas do lado direito e uma asa de dragão do esquerdo. Logo abaixo desse vitral tinha uma enorme mesa de escritório com um jogo de duas cadeiras para visitas e uma bela cadeira de diretor para o provável dono de tudo aquilo. Sob a mesa tinha um terminal de computador e algumas papeladas.
Na parede a esquerda de Albano tinha um altar com um livro aberto sobre ele. Ao lado do altar estava uma estátua de um anjo feita em puro mármore, segurando imponente uma tocha. O altar e a estátua eram iluminados por uma luz branca direta, que dava uma posição de destaque interessante a tudo aquilo. Na parede oposta tinha outro altar com outro livro sobre ele, um livro de páginas negras. Ao lado desse livro também tinha um estátua de um anjo, mas sua posição não era altiva como a da outra estátua. Ele estava de joelhos, com as mãos abertas tocando chão, e olhando para o alto com lágrimas no rosto, dando-lhe um olhar sofrido. Suas asas estavam danificadas, parecendo que tinham sido quase totalmente destroçadas, e suas mãos seguravam penas, e tinham dessas penas esculpidas por toda a base da estátua. Nesse local a iluminação provinha de uma luz azul escura dando um aspecto sombrio a essa parede.
Albano ficou curioso em saber o que continha em cada um dos livros e caminhou afoito em direção do livro mais bem iluminado. Assim que chegou nele se decepcionou, o livro estava completamente em branco. Folheou outras páginas, sem desmarcar a original e continuou sem encontrar nenhum palavra, e decidiu ver sua capa. Nela estava escrito "Livro das Revelações". de uma forma muito antiga, aliás, o livro parecia ser muito antigo, dado que pelo que Albano percebeu era todo costurado a mão e com a capa feita do couro de algum animal. Depois disso voltou sua atenção para a estátua do anjo. Tinha nela uma assinatura e uma explicação, ambas em Italiano, as quais teriam sido completamente indecifráveis por Albano não fosse uma placa de vidro salvadora na parede, mostrando a tradução do que estava escrito.
L'Angelo di Verità.
Elemento portante della luce Divine, quell'che porterà la verità e la vergogna.
Di Raffaello de Urbino
"Anjo da verdade. O portador da luz divina, aquele que trará a verdade e a vergonha.", leu Albano, intrigado. Enquanto caminhava para o outro lado da sala, escutou o som de uma porta se abrindo e de trás das cortinas da parede onde estava saiu uma pessoa. Era uma mulher de pelo menos um metro e oitenta, de cabelos negros perfeitamente lisos e usando um óculos escuros. Vestia um blazer preto que exaltava suas formas perfeitas e usava um perfume que mexia com os brios de Albano. Ela se dirigiu calmamente até a grande mesa de escritório e sentou-se na cadeira que parecia ser a ela reservada, a do chefe.
– Pelo que v, gosta de boa arte... – Disse a mulher, enquanto apertava um botão na mesa. – Tragam vinho para mim e um... O que deseja beber?
– Um copo de água, apenas. – Respondeu Albano.
– ....Água para nosso convidado. – Pediu a mulher, soltando o botão da mesa. – Bem, meu nome é Regina, o que é?
– Albano.
– Albano, tudo bem. O que o trouxe aqui?
– Um de seus funcionários, Felipe... – Ao ouvir Albano dizer o nome de seu contato, Regina rapidamente mexeu no mouse do computador e depois de dedilhar muito no teclado ela se virou novamente para Albano.
– Ah, sim... Estou com seu histórico aqui. Diga-me, qual sua posição a respeito de Deus?
– Heim? Porque a pergunta?
– Dependendo da sua resposta, tenho algo a lhe dizer ou não...
– Quer saber se acredito em Deus? Isso?
– Não, quero saber o que diria dele se fosse uma pessoa... Se não acreditar, não faz diferença para o que quero saber.
Albano silenciou, nunca escutara uma pergunta desse tipo antes, pelo menos não nessas circunstâncias. A mulher parecia ter muito dinheiro e transpirava seriedade, mesmo com toda sua sensualidade. Albano sentiu que suava frio por algum motivo que desconhecia e mesmo assim não conseguia pensar em uma resposta a esse questionamento. Aliás, ele tinha uma resposta sim, sempre se perguntava onde estava Deus enquanto seu pai estrangulara sua mãe, e onde esse mesmo Deus estava quando seu pai voou em direção a morte. ele sentia certa raiva dessa entidade misteriosa, mas nada que lhe dessa ódio, apenas indiferença.
– Sou indiferente com relação a Deus, se quer saber... Ele lá, eu aqui. – Respondeu Albano.
– Ótimo... Então vamos conversar...
O tempo passou, dias viraram semanas, semanas viraram meses e meses tornaram-se anos. Albano fazia parte da Organização desde 13 de Março de 1996, e agora, dez anos depois, dia 13 de março de 2006 era uma das pessoas mais respeitadas da Organização. Ele realizava pequenos trabalhos para a organização, que envolviam desde a ameaças simples a até queima de arquivo. Era, segundo Regina, o líder do setor dele. Desde que entrara na Organização, Albano nunca fez perguntas, ele sentia-se compelido a servir essa Organização sem perguntar por suas intenções, exatamente como aprendera no quartel. "Soldados não questionam ordens, soldados cumprem ordens.", dizia para si mesmo quando alguma dúvida aparecia. Esses serviços eram perfeitos para liberar a raiva que sentia de tudo que acontecera com sua família no passado, e até mesmo dentro da organização ele tinha um apelido por causa de sua eficácia e mudez completa. Era Tirolez. Porque esse nome? Ninguém sabia responder... Mas Albano gostava desse nome.