Revelações de Jonas, Missão: Sexta Fase da Missão

Revelações de Jonas: Missão
Sexta Fase da Missão
Execução

Os corpos foram queimados nos minutos que se seguiram. Tirolez jamais perderia essa oportunidade, por mais que doesse sua perna em virtude do tiro que levara. Ainda tinha disposição suficiente para correr uma maratona se precisasse ou se ordenassem. Providenciou durante a queima que a Carne Moída ficasse em uma posição de destaque e deu-lhe um banho especial de gasolina para queimar melhor e por mais tempo.

Enquanto isso uma equipe da Organização providenciou uma substituição do carro queimado de Albano por um de seus outros dez carros. Como estavam próximos de uma das bases operacionais, a Ilha do Fundão, a substituição ocorreu em menos de dez minutos dando aos dois agentes tempo o suficiente para seguirem viagem rumo ao aeroporto ainda a tempo de acompanharem Amanda para Angra dos Reis. Fernando permaneceu o tempo todo calado, voltando a falar apenas quando entraram novamente no novo carro.
– Como você conseguiu sobreviver? - Perguntou Fernando, depois de muito tempo sem falar.
– Sorte e um pouco de habilidade. – Respondeu Albano.
– Habilidade? – Perguntou Jonas.
– Sim, treinei rolamento por muitos anos e fiz cursos de dublê de filmes de ação em Hollywood, com isso aprendi que tipo de roupa vestir e como preencher minhas roupas com química de escola.
– Roupas? Química de escola?
– Você realmente acha que eu vestiria um sobretudo num calor tropical só por causa de visual?
– Bem...
– Não, ele é preenchido com uma camada protetora que agüenta alguns tiros, e na camada superficial tem bolsas de plástico recheadas com sangue do diabo... Está vendo sangue em mim além do da perna?
– Não.
– É disso que eu falei... Sangue do Diabo é uma substância que se fazia em casa nos meus tempos de escola. Misturamos Lactopurga com amônia e temos um sangue falso muito convincente, mas que some depois de alguns minutos.
– Estranho...
– O que?
– Quem te vê com toda essa calma nem imagina que minutos atrás você estava queimando um monte de gente...
– É porque matei... Como te disse mais cedo, eu sou viciado em matar, e quando mato fico calmo demais.

Fernando se calou novamente. Já tinha visto e ouvido demais para aquela noite, e só queria terminar aquele serviço o mais rápido que pudesse. Primeiro uma qualquer que se achava a rainha da cocada preta, depois um tiroteio. "Preciso dormir logo", pensava Fernando quase dando cabeçadas na janela do carro.



Amanda aguardava impaciente pelo retorno dos agentes. Sua vontade era ter pego o jatinho assim que chegaram ao aeroporto. Mas não! Ela era obrigada a esperar por ordens expressas de Regina. Ao final de uma hora entediante os dois chegaram. Albano mancava e estava com uma das pernas coberta de sangue. O negro parecia estar bem. Amanda queria que o negro tivesse morrido. Ela odiava essa raça, e depois de iniciada continuava a odiar ainda mais.
– Saudades... – suspirou Amanda, diante dos outros agentes que a acompanhavam.
– Do que? – Perguntou o agente, estranhando a súbita mudança no tom de voz sempre arrogante de Amanda.
– De meu outro eu... Se fosse naqueles tempos não me sentiria suja. – Respondeu Amanda.
– O que você era antes? – Continuou o agente.
– Ku Klux Klan. – Afirmou Amanda, olhando com orgulho enquanto notava que Fernando escutara tal nome.

Fernando bem pensou em responder Amanda a altura, mas foi contido por um puxão de Albano em sua camisa, fingindo pedir auxílio para andar. “Não... Deixe o dela pra depois... Primeiro as ordens! Sempre as ordens!”, sussurrou Albano no ouvido de Fernando. O jovem negro precisou realmente se controlar para ao menos não dar um sonoro bofetão naquela mulher irritante, mas pelo olhar de Albano sabia que nada de bom viria. E pra evitar problemas passou o restante do tempo cantarolando músicas em sua mente pra escapar das provocações que escutaria durante a viagem.



Mesmo com todos os atrasos, os quatro agentes da Organização e Amanda ainda conseguiram chegar até o pequeno aeroporto de Angra por volta das quatro da manhã. Para evitar complicações nos ferimentos de Albano, o assassino foi direto para um hospital particular financiado pela Organização para tratar da perna. Fernando permaneceu na pousada onde se hospedaram o restante da madrugada e até o horário em que Albano retornou. Nitidamente aborrecido porque os médicos queriam que ficasse em repouso, mas Albano somente o faria após cumprir suas obrigações. Por volta das cinco horas da tarde do dia seguinte o telefone celular de Albano tocou. Ele e Fernando já estavam num táxi a caminho do aeroporto quando Regina fez sua ligação revoltada:
– O que diabos vocês estão indo fazer no aeroporto a essa hora?
– Bem, você disse para não sairmos de Angra... Ia te ligar do Aeroporto. – Respondeu Albano, relativamente ríspido.
– Pois então voltem para a pousada. Amanda irá encontrá-los dentro de meia hora. – Ordenou Regina, desligando o telefone em seguida.
– Droga. – Reclamou Albano, enquanto colocava o telefone no bolso.
– O que foi? – Perguntou Fernando, não gostando do tom de voz de Albano.
– Temos que voltar, aquela filha da puta da Amanda tem ordens da Regina para nós!
– Merda!

Imediatamente Albano ordenou ao taxista que os levasse de volta a pousada e em menos de vinte minutos estavam novamente no saguão do local. Amanda estava sentada no bar do hotel, bebendo um whisky e tragando um charuto provavelmente de Havana. Como sempre, ela estava acompanhada de seus seguranças, pelo menos oito seguranças dessa vez. Era estranho ver uma mulher com tal fisionomia tragando um charuto com tamanha facilidade, mas era exatamente isso que ocorria. E o charuto fedia tanto que o gerente do hotel sentia-se incomodado, mas por ela ser quem era deixava passar direto e fingia ignorar.

Os dois agentes da Organização sentaram-se diante de Amanda, puxando um banco de madeira cada. Albano puxou um cigarro e começou a fumar, fazendo questão de soltar à fumaça em cima de Amanda. Fernando pensou em sorrir com isso, mas pra evitar maiores discussões optou por ficar calado enquanto pudesse.
– E então? Diz logo... – Falou Albano, deixando transparecer sua irritação.
– E perder a chance de saborear o momento? – Respondeu Amanda, dando uma longa tragada no charuto e retribuindo o banho de fumaça de Albano. – Falo quando quiser, o interesse é de vocês... Se quiser espero o dia todo só pelo prazer de tê-los submissos ao meu lado.
– Devo lembrá-la que posso ligar para Regina a qualquer momento? – Disse Albano, com um sorriso no rosto e pegando o celular em seu bolso e começando a ligar. – Se por acaso suas atitudes prejudicarem a Organização, estou autorizado a... Você deve lembrar, não?

Amanda gelou e parou de fumar. Acenou aos seguranças que foram direto até o gerente e pediram a chave de um quarto. De chave entregue, um dos seguranças vai em direção aos quartos e os sete restantes foram Os três – Albano, Fernando e Amanda. – se levantaram e caminharam até esse quarto, acompanhados de perto pelos seguranças da mulher. No que chegaram, foram recepcionados pelo segurança que saiu na frente. Para entrar no quarto dois seguranças acompanharam Amanda e os cinco restantes ficaram no corredor em frente a porta do quarto. 

Não que não quisessem entrar, mas o quarto era pequeno para tanta gente. Dentro do quarto ficaram então três dos seguranças de Amanda, a própria, Fernando e Albano. Era um quarto típico da região. Apenas um armário simples, uma cama de casal e a porta do banheiro da suíte. Ao menos tinha uma enorme janela que dava para ver a Praia do Retiro. Amanda sentou-se na enorme cama e tornou a acender o charuto, ordenando aos seguranças que trouxessem a encomenda. Imediatamente um dos seguranças que ficou do lado de fora foi correndo em direção ao carro dela.
– Deve demorar uns cinco minutos... Podemos conversar enquanto isso... – Balbuciou Amanda, sem retirar o charuto da boca. – Você, crioulo, como conseguiu entrar na organização? Ouvir dizer que é biba... Como consegue não agarrar esse deus romano ao seu lado?
– ...
– É preta e muda? – Disse Amanda, continuando a provocar. – Deve ser o sotaque de Paraíba dele que te irrita, não? Eu também odeio essas merdas... Pretas, paraíbas... Essas porras tinham todas que morrer! Mas eu? Sou uma mulher perfeita! Tenho o dinheiro de meu marido pra me sustentar e um monte de político querendo meu rabo... Vou ficar cheia da grana em pouco tempo! E vocês? Vão encher o rabo de chumbo mais cedo ou mais tarde... Pelo menos a pretinha vai curtir.

Fernando fez menção de avançar e quebrar a cara de Amanda, mas ela foi salva pela chegada repentina do segurança que fôra até o carro. O rapaz trazia consigo uma pasta preta grande, no formato A2 e a colocou sobre a cama. Amanda a abriu e retirou dela algumas plantas avulsas. Fernando e Albano observaram os papéis com interesse e leram em diversos que se tratavam de material da EletroNuclear, a agência nuclear do Brasil. Eram todas as plantas da Usina Nuclear de Angra I. Sem entender do que se tratava, Albano e Fernando analisaram o material sem compreender a magnitude de tudo aquilo, até que Amanda recomeçou a falar:
– Bem, seus cérebros atrofiados não devem estar compreendendo... Essa é a missão de vocês.
– Missão? – Perguntou Albano, sem levar Amanda a sério.
– Sim, no dia 31 de dezembro desse ano, quando derem onze horas e cinqüenta e nove minutos, vocês deverão explodir todo o complexo nuclear de Angra I.
– Entendo. – Respondeu Albano, sem demonstrar muita preocupação.
– Dentro em breve as pessoas da organização entrarão em contato com os detalhes da missão, até lá serão felizes habitantes de Angra dos Reis.
– Essa era sua participação na missão? – Perguntou Albano.
– Sim, porque a pergunta? – Respondeu Amanda. – Eu deveria trazer e obter os planos e mapas de Angra I para vocês, depois estaria livre pra curtir a vida.
– Ótimo.

Angra I, um belo lugar, não? 
 
Antes que Albano pudesse fazer o que queria, Fernando sacou sua arma FiveSeven e disparou duas vezes acertando o peito de Amanda, que voou pela cama em direção a parede do quarto. Os seguranças tentaram ensaiar algum movimento, mas foram mortos por Tirolez que foi mais rápido e deu um tiro certeiro no joelho de cada um. Os dois assassinos rapidamente trocaram olhares e Fernando caminhou até Amanda, que estava caída no chão chorando cheia de dor.
– Dói, não? – Perguntou Fernando, enquanto recarregava a arma e se aproximava mais.
– Preto desgraçado... Preto desgraçado... – Falava Amanda, com as mãos no peito.
– Sabe, até te conhecer eu pensava duas vezes antes de matar alguém... – Continuou Fernando, até se aproximar de Amanda e poder sussurrar em seu ouvido. – O legal é que vou te destruir em definitivo, vês a sombra? Diz a ela que a “preta biba” te aguarda...

Os olhos de Amanda viram algo que não tinha percebido antes e ela tentou gritar por ajuda, mas era tarde demais. Fernando descarregou a arma na cabeça de Amanda, que no final dos disparos era apenas um enorme cadáver decapitado coberto de sangue e restos de crânio. Tirolez se aproximou de Fernando e colocou-lhe a mão direita sobre o ombro de Fernando. “Matar é viciante...”, disse Tirolez enquanto dava um último disparo sobre Amanda, cujo corpo ainda apresentava espasmos involuntários. Os seguranças foram poupados, não por piedade, mas porque eram membros da Organização, e conseguiram avisar Albano a tempo. Se tivessem demorado, com certeza teriam sido todos mortos. Minutos depois do assassinato, enquanto o corpo de Amanda estava sendo levado para o esquecimento, o telefone de Albano tocou, era Regina novamente:
– Você não consegue deixar de matar, não? – Perguntou Regina, com a voz carregada de ironia.
– Dessa vez não deu tempo... O calouro foi mais rápido que eu, quando vi já tinha dado dois tiros na vagabunda. – Respondeu Albano, fazendo questão que Fernando escutasse. – Qual a missão exatamente?
– Bem, vocês dois vão passar o restante do ano aí observando os hábitos de Angra dos Reis para na ultima noite do ano instalar um dispositivo que vai destruir a usina nuclear de Angra I.
– Posso saber o motivo?
– Não, apenas cumpra as ordens... Mas não se preocupe, o dispositivo tem um timer e ele vai explodir três horas depois que tiver partido, logo, terão tempo pra fugirem.
– Não me importo em fugir, apenas em cumprir a missão... A qualquer custo.


Os meses se passaram. De Maio a Junho de 2006 era tempo o suficiente para que conseguissem mapear toda a cidade e criar rotas de fugas que lhes permitissem fugir caso algo desse errado e para evitar atrasos se desse tudo certo. Fernando e Albano receberam informações o suficiente para saber que a explosão nessa área afetaria as duas usinas e que fatalmente todos numa área de pelo menos quinze quilômetros morreriam sem saber o que os atingira. Os demais, em um raio de pelo menos 100km, morreriam em conseqüência da nuvem de radiação.

Durante esse período os contatos entre Fernando e a Sombra cessaram. Jonas tentava todas as noites viajar até o desfiladeiro vermelho, mas não encontrava nem a Sombra quanto nenhum dos demais. Até mesmo as tropas de Dragon estavam ausentes. Em contrapartida, Albano todos os dias ligava para Regina e prestava relatórios sobre seus avanços na cultura local. Em diversas noites Fernando jurou ter escutado gemidos femininos e ter reconhecido a voz de Regina no quarto de Albano, mas desejando evitar problemas Fernando nem comentou a respeito.
E o tempo passou...


Dia 31 de Dezembro de 2006. Ao amanhecer o telefone de Albano tocou. Era Regina avisando que “os fogos chegariam a Angra por volta das duas horas da tarde”. O assassino avisou a Fernando do fato e precisamente às duas horas da tarde, um carro preto da organização chegou à pousada. De dentro dele saíram dois agentes carregando uma enorme mala de metal que deixaram aos cuidados de Fernando. O rapaz levou a mala, muito pesada, até o quarto de Albano e a abriram. Dentro dela tinham duas caixas cinzentas com um display negro apagado e um Pocket PC desligado. Sem entender o funcionamento do equipamento, Albano telefonou para Regina novamente, querendo entender o que faria.
– Estamos com os fogos... Mas como funcionam? – Perguntou Albano, direto e sem rodeios.
– Existe em cada dispositivo um botão azul. Esse botão ativa o contador de tempo dos explosivos e os deixarão em modo de espera aguardando uma confirmação à distância. Para essa confirmação, junto com os explosivos virá um PDA com dispositivo com comunicadores sem fim em diversas bandas, desde a Infra Vermelha a Wireless. O PDA é que vai fazer a sincronização entre os dois, ou seja, vocês ativam os dois explosivos, e o timer vai se iniciar, em seguida deve ativar a sincronização pelo PDA que vai fazer com que o contador de ambos se iguale tomando como base o dispositivo ativado primeiro. – Explicou Regina.
– E o que acontece se não ativarmos o PDA?
– O dispositivo ativado primeiro, explode primeiro... Simples assim. O contador funciona de modo independente, vocês apenas sincronizam a explosão com o PDA.
– Entendi, e qual o raio de explosão dessas coisas?
– De três quilômetros separadas, e de pelo menos 8km juntas... Sim, elas afetarão Angra II, se é essa sua dúvida... – concluiu Regina, desligando o telefone.
– Ordens são ordens. – Afirmou Albano, guardando o celular diante do olhar preocupado de Fernando. – E como soldados, as obedeceremos a qualquer custo. Qualquer custo.
– O que ela disse? – Perguntou Fernando?
– Desejou sorte, apenas. – Responde Albano, com sua franqueza tradicional.

Fernando aceitou a falta de informações de Albano e continuou estudando os explosivos. A única coisa que Albano explicou a Fernando foi que o botão azul servia para iniciar o timer das bombas, do resto nada disse. “Não vale a pena dizer a ele, isso não é algo que lhe cabe...”, pensou Albano ao terminar de mostrar o que fazer. Com esses últimos detalhes, apenas faltava agora executar o plano. Curtiriam um almoço como se fosse a última refeição e depois dariam conta dos últimos detalhes antes de iniciarem efetivamente essa missão.


Os planos de invasão da Usina de Angra I eram bons o suficiente e dentro do esperado pelo que a Organização sempre fornecia. A única exigência era que os explosivos deveriam ser colocados nos pontos desejados até as onze e quarenta da noite, no máximo. Qualquer atraso significaria fracasso total e os dois agentes pagariam pela falha. Albano e Fernando passaram o restante do dia verificando o equipamento. Para sorte de ambos era um dia frio e movimentado. Era bom estar frio porque tornaria mais suportável utilizarem os sobretudos da Organização, e a movimentação era boa porque ninguém repararia em dois indivíduos de sobretudo passeando pela cidade em plena festa de ano novo.

Para evitar problemas com engarrafamentos, ambos optaram por utilizarem motos, que rapidamente foram cedidas por uma das concessionárias locais após duas ligações para a Organização. Eram duas belíssimas motos da Harley-Davidson de 1948, idênticas, que haviam pertencido antes a Marinha do Brasil e foram vendidas como sucata a uma das concessionárias. Fernando sentia-se um deus sobre a moto, e até mesmo o sempre sisudo Albano parecia maravilhado pela oportunidade de pilotar tal raridade.
– Penso seriamente em ficar com ela depois da missão. – Comentou Fernando.
– Que bom. – Respondeu Albano, sem dar muita importância a empolgação do jovem rapaz.



Se olhos humanos pudessem ver seriam tomados por um completo horror. Além das nuvens, onde o céu é mais azul uma enorme massa negra sobrevoava a cidade de Angra dos Reis. Uma horda absurda de feras das sombras urrava ansiosa pelo primeiro badalar dando a elas total liberdade. A liberdade de se alimentarem de todas as pobres almas da face da Terra. Dentre elas uma se destacava. Sua forma era bestial, assemelhava-se com um imenso cachorro de olhos vermelhos e chifres enormes semelhantes ao de um bode. Sua boca tinha enormes presas de trinta centímetros de comprimento em média. Ele era inteligente como um predador observando sua caça e desejava muito saborear o espírito humano.
– Mestre... Mestre... Quando poderemos descer? – Perguntava um demônio de asas pequenas e corpo ainda menor, mas com olhos famintos.
– Em breve... Apenas devemos aguardar que as carniças cumpram sua missão, e então... Poderemos nos alimentar. – Respondeu o enorme ser, sem sequer dirigir o olhar à criatura inferior.

Não muito longe dali, em um pequeno hospital psiquiátrico do governo, a maioria dos pacientes berrava incessantemente. Dentre eles destacava-se um senhor de aproximadamente oitenta anos, chamado entre os seus de “Profeta”. Ele debatia-se violentamente contra as janelas de seu quarto, tentando fugir de algo que os médicos julgavam ser a loucura causada pelos fogos de fim de ano. Se os médicos pudessem ver o que o “Profeta” via, com certeza se juntariam a ele como os demais “loucos” fizeram.
– Eles estão a espreita! O capeta quer nossas cabeças! – Berrava o “profeta”. – Jesus! Tende dó de nós! Jesus!



Finalmente Albano e Fernando chegaram a porta das instalações da Usina Nuclear de Angra I. Devido aos problemas típicos de ano novo, os infernais engarrafamentos que ocorriam sempre e os muitos quebra-molas pelo caminho, mesmo indo de moto apenas chegaram no local por volta de oito horas da noite. Albano sacou de seu bolso dois relógios de pulso e os sincronizou, entregando-os a Fernando. Fernando pegou o relógio, o colocou no pulso e notou que não havia sincronização de horários, mas apenas um timer digital marcando o tempo que ainda tinham para ativar os explosivos. 

Os dois tinham todo o mapeamento da área na cabeça. Diversas vezes se passaram por estudantes para conhecer pelo menos os corredores da administração do prédio principal. Nada poderia dar errado, estava tudo contabilizado. Fernando seria responsável por colocar os explosivos no sistema de refrigeração do Reator, que ficava em um prédio anexo ao principal, e Albano invadiria o prédio principal e tentaria chegar até o reator para instalar o último explosivo. Se por acaso desativassem o explosivo principal, o acidente nuclear ocorreria por falta de resfriamento e se o inverso ocorresse, não precisariam interromper nenhum resfriamento, pois a explosão resolveria tudo. Se ambos explodissem, a missão estava perfeita e nenhum ajuste seria necessário, mas prudência nunca era demais. Albano até lamentava não ter mais explosivos.

Como o serviço de Fernando era dos mais simples, estava tudo calculado que quando faltassem duas horas para a ativação total do sistema, ou seja, apertar o último botão, Fernando estaria encontrando Albano no prédio da administração, exatamente na porta de acesso para a área de acesso restrito. Até aquele momento provavelmente Albano já teria feito a maior parte do serviço sujo e matado a maior parte das pessoas do prédio.
– É agora? – Perguntou Fernando, observando pela última vez as motos e toda a cidade de Angra dos Reis. – Se conseguirmos esse lugar nunca mais será o mesmo.
– Então devia ter tirado uma foto... Essa é a última vez que vemos a civilização. – Respondeu Albano, enquanto subia em uma árvore para cortar os fios de telefone da Usina.
– Por quê? – Perguntou Fernando, sentindo-se intrigado.
– Se destruirmos isso aqui, destruímos a civilização, pelo menos a Brasileira... E sendo a Organização do jeito que nós sabemos, acredito que não seja um objetivo apenas e meramente “terrorista”...
– Como assim?
– Pense, você é capaz de chegar a uma conclusão...

Fernando pensou, calado, alguns minutos. Minutos que Albano utilizou cortando todos os fios de telefonia que podia ver. Não interessava se cortasse o fio certo ou errado, mas sim que cortasse todos. Era fim de ano, e mesmo que a operadora local de telefonia fosse chamada para consertar algo, só atenderia no ano seguinte. Com os cabos cortados e a certeza eu tecnologia celular não funcionava naquela área por causa de espionagem industrial (Albano havia testado todas as operadoras de telefonia móvel antes, pra confirmar), o isolamento de Angra I era completo. Agora apenas faltava-lhe iniciar a invasão.

Albano procurou nos muros cercados de arame farpado uma parte que estivesse mais danificada pela maresia e nem demorou muito a encontrar. Nessas horas era ótimo poder contar com a incapacidade do Governo Brasileiro na gestão de segurança. Havia literalmente um buraco no muro, provavelmente feito para invadirem os bosques dentro dos limites das instalações. Era o tipo de sorte que lhes fariam ganhar pelo menos alguns minutos preciosos para cumprir a missão. Quando Albano começou a invadir o terreno, Fernando finalmente voltou a falar:
– Se for o que estou pensando... Será terrível!

Albano apenas consentiu com a cabeça e sorriu.

Revelações de Jonas, Missão: Quinta Fase da Missão

Revelações de Jonas: Missão
Quinta Fase da Missão
Chumbo Grosso

Fernando não entendeu nada. Em um segundo estava relaxando dentro do carro ao som dos Cantos Gregorianos e no seguinte deu com a cabeça no porta-luvas e em seguida viu Albano disparar um único tiro com sua pistola. Enquanto se recuperava do susto, Albano pegou o rádio e passou ordens tão rápido que a mente ainda dormente de Fernando não captou metade delas, mas nitidamente ele escutou “cuidado.” e “bandidos de merda.” entre essas palavras. Em seguida Albano deu um cavalo de pau e começou a voltar pela contramão da Linha Amarela, para o espanto de Fernando.


Amanda estava completamente relaxada dentro do carro. Sentia-se plena, apesar de ter perdido a família dias atrás. Na verdade esse pedaço de carne loiro havia perdido. Seu atual dono, um ser pertencente a segunda fileira das hordas de Lúcifer, e de nome Ab’Sylth, não se importava com tais coisas mundanas. Tanto é que no momento saboreava com total prazer um charuto cubano que comprara antes de sair do hospital. “Foda-se a carne...”, respondeu a um dos agentes, preocupado com a integridade da carcaça. De repente, quando estavam passando pelo viaduto da Linha amarela sobre a Avenida Brasil, ela escutou uma freada brusca e o eco de um disparo. 

Sua mente gelou por um instante, por traumas ainda frescos na mente do hospedeiro, e em seguida o agente que dirigia atendeu o celular e apenas concordou com uma voz que berrava do outro lado, mas Amanda nada conseguia entender. Imediatamente a velocidade da Mercedes diminuiu e o veículo foi ultrapassado de modo absurdo pelo Chevette pilotado por Albano. Os agentes então ordenaram a Amanda que prendesse o cinto de segurança e que se preparasse para um grande baque.Amanda obedeceu, preocupada, e em segundos deu o aviso que estava pronta.

“Lá vamos nós!”, berrou o agente, dando um cavalo de pau enquanto o agente no banco do carona jogava contra a mureta de proteção um pequeno artefato que ao tocar o objetivo explodiu destruindo a mureta. Amanda berrou de susto e levantou-se pra ver o que ocorria e viu o carro acelerando em direção ao rombo aberto na mureta. “Vamos morrer”, gritou Amanda enquanto o carro voava pra fora do viaduto em direção a avenida. A queda durou poucos segundos, o que para a mulher ocupante do carro pareceram dias de tortura. 

E então tudo terminou com um baque seco e muita vibração do carro atingindo o chão e levantando muita poeira. Ele ainda seguiu rasgando o asfalto com o forro da traseira do veículo por pelo menos dez metros. Por isso, antes de recuperar o controle da direção, o motorista ainda amargou mais alguns segundos até que o sistema de suspensão do veículo voltasse a funcionar pelo menos para tirá-los dali. Quando tudo terminou, guiados muito mais pela sorte do que pela habilidade, o mercedes deixou de ser um touro indomável e eles seguiram viagem para o Aeroporto Internacional, deixando para trás Albano e Fernando. 

Finalmente o motorista entendera porque o veículo fora adaptado para tração traseira e não dianteira. Se fosse tração dianteira teriam todos mergulhado para a morte, mas sendo traseira o próprio peso do veículo manteve o carro relativamente equilibrado durante a queda evitando que o mesmo desabasse de bico e todos morressem. Um pouco de fator “Hollywood” contou naquele momento, pois a única vez que o motorista vira algo assim ser feito foi em filmes da década de 80, no século passado. Era estranho fazer parte de um filme real naquele momento. Obviamente Amanda assombrou-se quando o motorista gargalhou depois que acalmou, ela não tinha idéia dos pensamentos dele.



Fernando estava puto e assustado.
– Que merda é essa? – Bradou Fernando ainda sem entender o que acontecia e porque Albano voltava depois de dar um tiro.
– Eu vi um olheiro em cima da passarela e matei ele... – Respondeu Albano.
– Como? Você tem olho de águia por acaso?
– Veja por si só.

O chevette estacionou diante de um corpo espatifado logo abaixo de uma passarela perto da saída da Linha Amarela para Bonsucesso. Era um rapaz mestiço de idade aparentando uns dezessete anos e vestia roupas de grife, que em virtude do sangue valiam menos que colchão de mendigo no momento. O rapaz tinha perto da mão um rádio Nextel que ainda funcionava. Albano se aproximou do corpo e pegou o rádio ainda a tempo de escutar quando Carne Moída chamava pelo comparsa. Fernando, finalmente se deu conta do problema e sentiu um frio na barriga. Albano finalmente sorria, ia enfrentar alvos que reagiam, esperava apenas que o novato não desse algum mole na execução. De repente eles escutam o eco de uma explosão.
– É o sinal... Agora se segura que nós vamos correr muito... – Disse Albano, sacando suas pistolas. – Pega suas armas e vamos embora.

Fernando não teve tempo nem de colocar o cinto, quanto mais as mãos nos bolsos. Albano ativou de imediato o sistema nitro do chevette e o carro acelerou tão rápido que Fernando teve a impressão de que seria esmagado contra o banco do carona. Tirolez naquele momento sorria, e muito. A adrenalina tomava conta de cada parte de seu ser, e esperava que fossem muitos, e todos corajosos ou burros o suficiente para não fugirem. Em menos de cinco minutos a uma velocidade absurda começaram a ver as kombis os aguardando para o pretenso assalto. “Como a sensação é boa...”, deliciava-se Tirolez com tudo aquilo.



Ancelmo aguardava novas instruções de Mozart quando escutou a explosão. Assim como todos os comparsas, rapidamente sacaram suas armas e ficaram de olho nos rádios. “As ordens sempre foram pra esperar o aviso de Mozart... A não ser que desse tudo errado.”, e no momento não era esse o caso. Nem Mozart nem seu primo que estava servindo de olheiro haviam se comunicado. Todos começaram a relaxar novamente quando um chevette preto foi avistado chegando em altíssima velocidade. A hora da felicidade havia chegado.
– Caralho! É bebum! Não vai frear! – Berrou Ancelmo.

Todos correram pra se proteger, mas Ancelmo estava imóvel. Por mais que quisesse não conseguia se mexer. Ele tentou fechar os olhos mas não conseguiu fazê-lo antes de ver o chevette se chocar violentamente contra uma das kombis e de dentro dele voar um homem enorme de sobretudo que estraçalhou o pára-brisa do chevette e rolou pelo chão até parar imóvel uns dez metros completamente ensangüentado. Ancelmo e os demais deram o homem por morto, ainda mais depois de uma cena dessa, e caminharam sorridentes para o chevette, onde viram um rapaz negro se recuperando da porrada.



De repente, quando Fernando pensou que Albano frearia pra se digladiar com os bandidos, viu Albano fazer o contrário. O assassinou acelerou o chevette o mais que podia e antes que Fernando pudesse processar a informação o chevette deu uma porrada absurda contra uma das kombis. A força da pancada foi tão violenta que Albano atravessou o pára-brisa do automóvel e caiu a dez metros do acidente, aparentemente morto. Fernando nem conseguira recuperar a consciência quando um dos meliantes bateu no que restava do vidro do carona.
– Quer ajudar, irmão? – Falou o meliante, com sarcasmo. – Foi uma puta porrada... E quem vai pagar meu prejú?
– Heim... Prejú?
– É, meu irmão! – Falou o homem, puxando Fernando pela camisa e o tirando do chevette até ficarem cara a cara. – Dinheiro! Tá ligado?
– Ligadíssimo!

Fernando não pensou duas vezes e deu dois tiros com sua pistola na barriga do idiota, que caiu no chão berrando pros comparsas. Os demais rapidamente sacaram suas armas e começaram a atirar. Demonstrando alguma habilidade que nem mesmo sabia possuir, Fernando saltou para a traseira do carro e se aproveitou da carroceria reforça pra se proteger da primeira rajada. “Merda, porque você foi morrer agora Albano...”, pensou Fernando, sentado no asfalto e verificando se tinha como abrir o porta-malas. E tinha, com a batida a trava abrira e pra melhorar, até mesmo o porta-trecos do carro estava aberto e tinham diversas granadas espalhadas pelo compartimento. Fernando escolheu uma qualquer e a arremessou, rezando para não acontecer nada de errado.

Assim que a granada tocou o chão começou a soltar muita, mas muita fumaça. Fernando julgou ser uma granada de gás lacrimogêneo, mas notando que nenhum bandido gritara de dor concluiu que se tratava de apenas uma granada de fumaça, provavelmente do mesmo tipo que Albano usara quando atacara o Mac Donald’s, dias antes. Aproveitando o momento, que não duraria mais que cinco minutos ou até o primeiro deles se aproximar, Fernando pegou outras duas granadas e se esgueirou pra dentro da fumaça.



Ancelmo levou um susto quando escutou os tiros e seu comparsa Felipe caiu no chão gritando de dor depois de arrancar o jovem negro de dentro do chevette. Imediatamente sacou seu fuzil e disparou furioso contra o rapaz que se refugiou atrás da lataria do carro. “Babaca, só em filme carro serve de barricada!”, pensou enquanto continuava disparando até que sentiu uma dor perto da orelha. Tocou discretamente e viu em sua mão um filete pequeno de sangue e escutou um som estranho, de balas ricocheteando. “Sujou! O carro é blindado e agüenta até bala de fuzil!”, avisou Ancelmo, mas não alto o suficiente para que o rapaz ouvisse. 

Imediatamente todos pararam de atirar e começaram a cercar o carro com todo cuidado, mas de repente o porta malas de abre e eles vêem uma mão negra arremessar um objeto na direção deles. Antes do objeto tocar o chão todos já tinham identificado a granada e começaram a se afastar quando ela começou a solta fumaça. Sem demonstrar ser uma granada tóxica, apenas uma bomba de fumaça, os bandidos um a um se embrenham na fumaça para buscar sua vítima antes que fuja oculto pelo seu artifício. Exceto Ancelmo, que fica mais afastado e pega seu Nextel, precisava entrar em contato com seu primo pra saber se tinha algum “meganha” vindo por causa dos tiros. 

Estranhamente Ancelmo escuta o som do rádio de seu primo tocar próximo dele, e sente de leve a vibração do aparelho. “Como assim?”, indaga Ancelmo enquanto faz uma nova chamada e encontra a origem do som próxima do enorme cadáver que voou do chevette segundos atrás. Chama o rádio mais uma vez, e escuta o som vindo exatamente de um dos bolsos do sobretudo do enorme homem. Desconfiado do pior, ele chuta o homem violentamente, que rola pelo asfalto espalhando sangue pela pista e cai de braços abertos no chão. “Filha da puta... Se matou meu primo...”, balbucia enquanto prepara seu fuzil para destruir aquele desgraçado.

Passo a passo, e se arma em punho, Ancelmo aproxima-se do cadáver e deseja dar uma última olhadela no maldito antes de destruir seu rosto a bala. O homem aparentemente já está morto, e Ancelmo chuta o coturno do cadáver e analisa suas roupas. “Ao menos vou ganhar uns trocados com suas roupas.”, diz Ancelmo observando a qualidade das calças do homem e todo mais. Enfim se dá conta de que tem alguma coisa errada com esse homem, mas é tarde demais. Num movimento súbito o homem saca uma submetralhadora P90 e dá uma rajada certeira na cabeça de Ancelmo, que morre sem entender nada do que acontecera.
– Matei seu primo sim, encontre-o no inferno! – Diz Tirolez, enquanto o corpo de Ancelmo voa até o chão por causa da pressão de ar dos tiros à queima roupa.



Fernando está desesperado. Quando está quase saindo da fumaça vê o vulto de um dos bandidos próximo dele e volta para onde estava. Vendo que a granada que levou consigo também é de fumaça, arrebenta o pino e aumenta mais ainda a nuvem de fumaça.
– O que foi, tem medo agora? – Berra um dos bandidos, dando uma rajada de metralhadora pro alto.
– É! O crioulo foi macho de fuzilar o Felipe a queima roupa, quero ver se é homem de encarar a gente...- Berra um segundo bandido, sem dar tiro.
– Vamos te dar uma chance, se entrega e a gente estoura seus miolos, senão vamos te entregar pro Carne Moída! – Berra o primeiro bandido, dando outro disparo.

O jovem agente escuta então mais duas rajadas de metralhadora, quase seguidas, mas produzindo um som diferente das que escutara, completamente familiar. Era um estrondo idêntico ao da submetralhadora de Albano. Depois do que escutara no Mac Donald’s há menos de uma semana era impossível confundir com outra parecida. “Mas Albano está morto! Não é ele... De quem será essa arma? Será deles?”, indaga Fernando, enquanto os bandidos continuam suas ameaças.
– To falando preto safado... Se entrega logo, porque quando a fumaça baixar vamos estourar suas pernas e deixar o resto pro nosso chefe... – Berra o primeiro bandido.
– Faz o que ele ta falando! – Berra um terceiro bandido, com certo pavor na voz. – Nosso chefe é o cão na terra...



Tirolez está satisfeito em como a farsa funcionou. Se os idiotas tivessem se dado o trabalho de conferir direito, teria morrido com certeza. Mas esse tipo de gente não é que nem Tirolez. Vê logo que não são soldados, não soldados como Tirolez. A primeira coisa que faz, ainda antes de se levantar, é terminar o serviço de Fernando, acertando um tiro certeiro na cabeça do bandido chamado Felipe, que ainda estava em condições de avisar aos comparsas do novo perigo. Para sorte de Fernando, esse bandido morre sem fazer um barulho sequer. E os demais bandidos estão escondidos dentro da fumaça procurando seu parceiro, satisfeitos demais em gritar e dar tiros aleatórios para perceberem o som da arma de Tirolez. “Vão morrer fácil demais...”, lamenta Tirolez desejando mais adrenalina e sangue nessa noite.

Com total frieza se levanta e limpa seu sobretudo da poeira que grudou nele. Olha para os lados e confirma que ainda falta alguém naquele lugar, provavelmente o chefe. Pelos cálculos de Albano e por comparar o número do Nextel de Ancelmo com o que pegara antes, ainda faltava um bandido pelo menos. Esperava que fosse mais. Sem se importar se Fernando está ou não vivo, pega um cigarro amassado em seu sobretudo, verifica suas armas, e dá uma longa tragada pra em seguida se livrar do cigarro. Com o semblante inalterado, apesar da empolgação, começa a caminhar pra dentro da fumaça enquanto se prepara pra mais um massacre.

“Abun D’bashmaya.”, balbucia Tirolez enquanto avista o primeiro bandido e lhe dá uma coronhada violenta na cabeça, mas antes do bandido tombar no chão inconsciente saca sua faca e a encrava no olho do meliante e a arranca com força fazendo um arco no ar abrindo a cabeça como se fosse um coco espalhando sangue pra todos os lados. “Nitkadash Shmakh.”, profere com o mesmo tom de voz calmo e alterado, quando avista a alguns metros de distância outro dos bandidos. Dada a distância aponta sua pistola e dá um tiro certeiro no meio dos olhos do meliante, que desaba no chão sem sequer perceber do que morrera. 

“Tete Malkutakh.”, continua Tirolez quando dá mais um tiro em cada joelho de dois bandidos, que caem no chão gritando. Obviamente os demais correm pra fora da fumaça assustados com tudo aquilo. Mas nada vem e apenas escutam mais duas rajadas vindas de dentro da fumaça. Os bandidos haviam sido decapitados pela faca de caça de Tirolez. O assassino com sua calma tradicional vê Fernando ajoelhado no chão, travado de medo e passa por tranqüilamente indo em direção do porta-malas de seu carro. “Nihue Tzibyanakh”, fala enquanto de dentro do carro retira quatro granadas de fragmentação e quatro e fumaça e volta até Fernando. Sem se preocupar com o estado de seu parceiro, o arrasta até atrás de seu carro e o abandona ali novamente.

“Aykana D’bashmaya Aph B’ar’a.”, diz enquanto arremessa todas as granadas de fumaça na direção dos bandidos, de forma que não consigam escapar do desconhecido. “Hab’lan Lakhma D’sunkanan Yaumana.”, fala Tirolez enquanto se agacha atrás de seu carro e uma a uma arremessa as granadas de fragmentação e sorri com os gritos de dor dos bandidos ao serem surpreendidos pela dor lacerante dos fragmentos rompendo pele, músculos e até mesmo ossos. Um dele, provavelmente o mais sortudo, é atingido na cabeça por uma das granadas e morre sem sentir qualquer dor.

Com as explosões a fumaça se dispersa e Tirolez se levanta para conferir o resultado de seus ataques. Sucesso total, dos pelo menos onze bandidos que estavam na fumaça, apenas quatro davam alguns sinais de vida. Os seguintes ou tinham morrido realmente ou estavam inconsciente. E Tirolez não estava contando com os bandidos que matara ao se levantar. Satisfeito, novamente sorriu e caminhou em direção dos sobreviventes.

“Uashbuk’lan Khau’bayn.”, balbuciou enquanto matava o mais próximo com um tiro certeiro na nuca. O cadáver ainda assim demonstrava espasmos involuntários de algum resquício de vida e pra garantir que não faria mais nada deu mais cinco tiros na cabeça do bandido, que virou um horroroso amontoado de carne. “Aykana D’aph Kh’nan Shbakin L’khayabayn”, falou quando enfiou sua faca na barriga de um dos bandidos e arrancou-lhe as tripas para em seguida decapitá-lo como fizera com outros. “Ula Ta'lan L’nis’yuna.”, disse Tirolez enquanto descarregava o restante das balas de sua submetralhadora em um dos bandidos. “Ila Patzan Min Bisha.”, proferiu quando matou o último bandido a coronhadas de sua pistola, pois estava sem balas. Pra certificar-se de que matara a todos, foi até os aparentemente mortos e degolou-os um a um. “Amen”, falou enquanto limpava as mãos do sangue.

Em seguida foi até seu carro e tirou de um galão de gasolina e começou a jogar gasolina nos corpos. Planejava fazer um imenso churrasco com tudo aquilo, e lamentava não ter consigo nenhum naco de carne pra assar e comer enquanto assistiria a tudo. De repente escutou um disparo e sua perna fraquejou. “Fui atingido...”, pensou enquanto se virava e via um rapaz de aproximadamente vinte e poucos anos se aproximar portando uma pistola 9mm acompanhado de dois enormes seguranças também armados, só que de fuzil, mas que pareciam estar cansados demais pra ser algum perigo no momento. “Estou com problemas...”, pensou Albano.


Carne Moída escutou diversas explosões. Em quantidade suficiente para se precaver e saltar do seu carro junto com seus comparsas poucos metros antes de avistar o ponto onde as kombis estavam. “Tem alguma coisa errada...”, pensou enquanto saltava a mureta da Linha Amarela e iria seguir pela via expressa por fora, sem que fosse visto por quem estivesse dentro. Pra poder correr melhor abandonou seu fuzil no mato e correu rapidamente obrigando os demais a sofrer muito pra acompanhá-lo. Assim que chegou viu uma figura enorme de sobretudo caminhando entre os destroços das duas kombis e sentiu um cheiro forte de fumaça. O homem estava dando uma facada no pescoço de Felipe e começava a caminhar em direção do tal chevette preto.

O ódio tomava conta do peito de Mozart. Muitos desses cadáveres eram realmente seus amigos, provavelmente mais amigos dele até do que ele imaginava. E morreram por ele, por ordens dele e ele não tivera tempo de ajudá-los a trucidar esse playboy de sobretudo. “Foda-se se ele parece ser sinistro”, pensava Carne Moída enquanto conferia sua pistola 9mm. “Vai morrer hoje e vou dar ele de alimento pros mendigos!”, pensou quando viu o homem retornar aos cadáveres com um galão de gasolina e começou a espalhá-la pelo asfalto. Era audácia demais para agüentar. Carne Moída mirou, aguardou o momento certo e atirou. Ele acertou o playboy bem na perna, perto do joelho.

Ansioso por dar cabo dele correu até pra evitar que o homem reagisse. O desgraçado se virou diretamente pra Carne Moída e por um instante seus olhares se cruzaram, Pela primeira vez na vida Carne Moída sentia medo, o olhar do homem era pior que o seu. Mas isso não faria diferença, arrancaria os olhos do homem primeiro. Agora esse maldito estava nas mãos de Carne Moída e ele o queria vivo. Assim que seus servos chegaram ofegantes os ordenou que segurassem o homem antes que fizesse qualquer coisa. Os dois obedeceram de imediato e agarraram Albano pelos braços. Albano era muito mais alto que Mozart. E Mozart não gostava de pessoas mais altas que ele sempre mandava serrar as pernas de quem “tirava onda“ com ele a esse respeito, mas nesse caso faria por prazer mesmo.
– E aí, babaca... Qual seu nome? – Perguntou Carne Moída.
– ...
– Não sabe falar? – Berrou Carne Moída, dando uma coronhada no saco de Albano, que se encolheu todo, mas sequer gritou. – Olha pessoal, o cara é resistente... Será que ele topa tiro no saco?
– Meu nome é Albano... – Respondeu Albano, sorrindo.
– Cala a boca! – Berrou Carne Moída, dando um tapa na cara de Albano, que mesmo assim continuava a sorrir.
– Porque está sorrindo cuzão? Quer um tiro na boca pra arrancar esses dentes?
– Porque você vai morrer...

De repente Carne Moída escutou dois estampidos pequenos, e seus dois seguranças caíram no chão, cada um com um tiro na cabeça, liberando Albano, que simplesmente caiu no chão e chutou longe a arma de Carne Moída, enquanto esse girava para ver o autor dos disparos. Não percebeu a arma voar de sua mão e mesmo assim não teve mais tempo. Tudo ficou escuro por alguns segundos. E então Mozart viu surgir diante de si uma enorme luz que crescia e crescia... Escutou o som de farfalhar de asas diante de si e uma mão tentou tocá-lo, mas antes que isso acontecesse uma espécie de sombra cobriu seus olhos e ele se viu em um enorme desfiladeiro vermelho. Então uma voz nada benigna ecoou por todo o lugar:
– Bem vindo ao Inferno... MEU inferno.... Jonas está vindo terminar o serviço... – Disse a Sombra, gargalhando muito em seguida.

Revelações de Jonas, Missão: Quarta Fase da Missão

Revelações de Jonas: Missão
Quarta Fase da Missão
Viajando



O sol brilha para todos, menos para Mozart. No auge de seus vinte e dois anos Mozart já comeu o pão que o diabo amassou no lugar onde mora. Mora? Não, Mozart se esconde dentro do imenso complexo da Maré, nos arredores do Rio de Janeiro. Morador da Comunidade do Tinguá, Mozart sempre foi um rapaz violento. Dizem seus avós que aos quatro anos de idade cegou o cachorro da família porque este não havia lhe dado atenção. Aos seis anos de idade foi expulso do colégio onde estudava porque quase matara um de seus coleguinhas de sala com estocadas de lápis após discussão envolvendo um pedaço de madeira das carteiras.

Aos quinze anos de idade matou a pauladas sua namorada, porque essa fizera-lhe o favor de dizer que estava grávida. Com dezesseis anos foi convocado para o exército do tráfico. Com dezessete matou o pai por querer que estudasse ao invés de roubar. Horas depois deu tranqüilizantes a sua própria mãe e a matou enforcada com as entranhas do pai. Com dezoito matou o líder da boca de fumo e tornou-se conhecido por toda a região com o apelido de Carne Moída. O apelido surgiu justamente porque depois de matar o chefe da boca de fumo, ele o moeu e vendeu a carne para bares do centro do Rio de Janeiro em vésperas de carnaval. Desnecessário dizer que ele era uma pessoa temida na região. Seus servos o admiravam pela frieza, mas todos os demais o odiavam por sua monstruosidade.

Mas toda sua monstruosidade teve um preço. Dada a grandiosidade de seus crimes, no pior sentido de “grandiosidade”, os policiais recusavam-se a receber propinas de sua quadrilha. No início até dava para conviver com alguns prejuízos, mas com o passar dos anos Carne Moída e seus comparsas foram obrigados a variar no mercado de trabalho. Ainda eram traficantes, mas agora também praticavam assaltos na Avenida Brasil pra complementar a renda da firma.

Aquele dia de maio prometia para o bando de Mozart. Graças às contatos na comunidade, conseguiram descobrir que na noite desse mesmo dia dois veículos passariam pela Av. Brasil com destino a Angra dos Reis. Dentro dos carros, uma ambulância, estaria a esposa de um vereador da cidade, ferida durante um tiroteio em Copacabana. O plano era simples, matariam todos nos veículos, exceto a mulher, e a seqüestrariam. Dada a comoção por causa do tiroteio, pediriam um enorme resgate que seria pago rápido ou Carne Moída empalaria a mulher em algum poste e chamaria os jornais pra tirar fotos. Tudo seria perfeito naquela noite.









Fernando acordara cedo e seguira todas as instruções de Albano com o melhor de si desde que chegara a seu novo emprego no horário estabelecido. Recebera da Organização duas pistolas e uma submetralhadora, todas do mesmo modelo que as de Albano. Albano, por sua vez, começava a aceitar a idéia de ter que treinar alguém, e explicou a Fernando todas as funcionalidades de seu Chevette. Fernando, como de se esperar, ficou assustado com todas as modificações que o velho possante recebera, e ficou muito mais impressionado quando Albano lhe revelou que existiam pelo menos mais dez carros iguais. Ainda naquele dia, antes da hora do almoço. Fernando recebeu algumas aulas de tiro e no final da tarde ele e Albano vestiram os uniformes de seguranças (ternos pretos simples, mas Albano jamais abandonava seu sobretudo) e partiram para o hospital Barra D’or no Chevette negro. A única coisa estranha naquele dia foi que Fernando não vira Regina em nenhum lugar do escritório.

Graças ao tradicional engarrafamento da Auto-estrada Lagoa-Barra, conseguiram chegar ao hospital Barra D’or precisamente as sete horas da noite. Para sorte deles, tinham chegado meia hora mais cedo que o combinado. Albano e Fernando mostraram suas credenciais a uma das recepcionistas do hospital e subiram de elevador até o andar onde a esposa do vereador estava internada. O andar era um dos andares mais caros de todo o hospital, com ambiente climatizado e ao invés de bebedouros, instalaram máquinas de café da Nestlê, oferecidas gratuitamente aos visitantes. Albano consultou seu relógio e viu que sobravam ainda alguns minutos para chegar. O combinado era entrarem no quarto exatamente às dezenove horas e trinta minutos. E combinação era uma ordem, ordens seriam cumpridas. “Vamos tomar um café e aguardar meu sinal.”, disse Albano se dirigindo para a máquina de café e programando-a em café forte sem açúcar.

– Nervoso? – Perguntou Albano, enquanto apoiava o copo de café em uma mesa ao lado da máquina e acendia um cigarro. – Se quiser fumar...

– Não fumo. – Disse Fernando, sentindo até alguma vontade, mas optando apenas em acompanhar Albano no café.

– Ao menos não negou estar nervoso... Você possui fibra, e admitir nervosismo é uma qualidade que poucos têm. – Falou Albano, apontando o dedo indicador para Fernando.

– Não concordo... Todos ficam nervosos. – Argumentou Fernando.

– Sim, uns não admitem, outros dizem logo de uma vez e arregam... Esses eu mato na hora...

– Pensei que...

– “Estivesse tudo bem?”, vai nessa! – Interrompeu Albano, dando uma boa golada de café. – Você não tem nem vinte e quatro horas aqui, se pensa que vou confiar em você está muito enganado. Estamos todos de olho.

– E porque me colocaram nessa missão de escolta?

– Ordens, ora, simplesmente ordens de cima...

– E você não sabe por quê?

– Não.

– Não? Você não pergunta os motivos de suas ordens?

– Não.

– Como assim? Você é maluco?

– Não.

– Então você é o que?

– Um soldado, e soldados cumprem ordens... E é bom se acostumar, você faz muitas perguntas. Não sabe falar de outras coisas? Mulheres... Ah, esqueci que você não curte...

Fernando sentiu repulsa do comentário de Albano. E não era pelo preconceito embutido na questão, pois o olhar de Albano transmitia que ele estava mentindo. Que sequer se importava com o teor da conversa, seu chefe apenas o queria irritar. “Merda, se continuar assim vou perder a paciência e vai dar tudo errado.”, pensava Fernando, tomando o último gole de seu café e emendando outro copo a seguir.

– Café demais vai te deixar ligadão. – comentou Albano, insistindo em sua tática, mas vendo que Fernando era esperto pra cair nisso. – Gostei de você, é um moleque esperto...

– Moleque? Tenho vinte e cinco anos... – Afirmou Fernando, convicto de sua posição.

– Eu tenho trinta e muitos... Além disso, já matei tantas pessoas que nem somando todos os seus dias vivo conseguiria chegar perto desse total... Pra mim você é apenas um moleque. – Falou Albano, começando a fumar, mas nitidamente sem tragar.

– Sente orgulho dessa marca? Eu não conseguiria dormir com um peso desses na consciência...

– Orgulho? Tenho muito... Apenas me tira o sono um certo arrependimento.

– De ter feito tantas vítimas?

– Não, eu me arrependo apenas de não ter dado mais tiros. Existem dias do ano em que não disparo uma bala sequer, isso me enlouquece. Vide ontem, saí de sua casa e fui direto pra Organização em busca da sala de treinos. Até um mendigo peguei pra treinar...

– Mendigo?

– É. Mas não aqueles miseráveis que estão sofrendo nas ruas, peguei um dos malandros... Que se fazem de pobres pra extorquir dinheiro dos otários, isso quando não roubam as pessoas. Levei o filho da puta pra sede, amarrei o desgraçado lá na sala de tiro e quando dei o primeiro tiro na perna, fui convocado pra reunião... Chato não?

– Monstruoso... Isso sim.

– Há há há há! – Gargalhou Albano, dando em seguir a última tragada no cigarro e jogando a guimba no lixo. - Ouvir disso vindo de alguém que não faz dois dias estourou os miolos do namorado com dezesseis tiros é no mínimo cômico...

A dura verdade de Albano feriu a moral de Fernando seriamente. O jovem preferia levar um tiro na virilha a escutar tais coisas e de tal forma. Ele sabia que não era mais a mesma pessoa, mas os sentimentos da Carne ainda se misturavam aos da Alma, e por menos que estivesse doendo, ainda doía. Por mais monstruoso que Albano fosse, o que fizera com Renato era do mesmo grau de crueldade, senão pior. Mesmo assim, e amaldiçoando os responsáveis por seu estado, Jonas ainda precisava manter Fernando vivo, ao menos por fora. Mas nem por isso deixaria de tirar o melhor proveito da pior situação.

– O que vocês fizeram com o mendigo? – Perguntou Fernando, deixando a conversa fluir e os sentimentos de culpa desaparecer.

– Descartamos, depois te ensinarei como, agora vamos pro quarto dela, que temos trabalho a fazer...

Albano consultou novamente o relógio e caminhou apressado para o quarto. A conversa demorara mais que o previsto e agora tinham menos de quarenta segundos para percorrer o corredor até o local certo. Pra evitar atrasos, e ele nunca se atrasaria, Albano começou a andar o mais rápido que podia desesperadamente. Fernando o seguiu, estranhando a pressa de seu companheiro. Sem bater na porta, e faltando menos de dois segundos, Albano entrou no quarto bufando, mas satisfeito por não ter se atrasado.

– Pensei que você fosse demorar... – Falou Regina, sentada ao lado da esposa do vereador.

– Ele! – Berrou a mulher. – Foi ele quem matou minha família! Socorro!

– Calma, Amanda. – Disse Regina, enquanto Fernando entrava no quarto e trancava a porta a mando de gestos de Regina. – Você esqueceu de quem é? Do que tem que fazer?

– Mas... ele... – A mulher caiu em prantos.

– Chega de frescura!

Regina ergueu suas mãos e segurou a cabeça de Amanda com firmeza. O gesto foi tão brusco e repentino quanto foi violento. Até mesmo Albano se assustou com toda essa determinação de Regina. De repente todos na sala começaram a sentir o odor acre de enxofre e as flores que estavam distribuídas em vasos pelo quarto começaram a murchar. Regina então proferiu uma seqüência de sons e grunhidos estranhos, mas entoados como uma canção profana. Amanda de imediato se acalmou e começou a acompanhar o cântico. Tudo não durou mais que quinze segundos, mas para os dois homens presentes pareceram ser horas. Regina finalmente soltou a cabeça de Amanda, que naquele momento estava completamente calma. Em seguida as duas se olharam e se beijaram de um modo depravado e completamente absurdo para os olhos de Fernando, e pelo que o rapaz pôde ver até Albano demonstrou certo incômodo com as duas.

– Bem, Albano já conhece o esquema todo... Sejam rápidos e escoltem nosso novo membro até Angra dos Reis. Ao chegarem entrem em contato, mas não saiam de lá. – Falou Regina, desvencilhando-se de Amanda.

Sem dizer uma palavra mais, Regina saiu do quarto e foi embora, deixando os três sozinhos no quarto. Ao que a porta se fechou Amanda sentou-se na cama e perguntou se Albano tinha um cigarro, sendo prontamente atendida. Sem dizer mais nenhuma palavra, a mulher acendeu o cigarro e deu uma longa tragada, pra em seguida tossir desesperadamente. “Odeio esses tipos de carcaças... Puras demais!”, disse a mulher com uma voz levemente alterada, como se mais grossa. Albano continuou em silêncio e verificou as horas em seu relógio. Fernando notou o mesmo, que estava ficando tarde demais pra viajar em uma cidade como o Rio de Janeiro.

Apressados os dois agentes levaram Amanda embora do hospital e a colocaram no banco traseiro do Chevette de Albano. Inicialmente ela pensou em protestar, dada sua posição social, mas ao ver os opcionais do carro mudou de idéia rápido. Albano sentou-se no volante, tendo Fernando ao seu lado e a mulher foi sozinha no banco traseiro. Pelos cálculos que Albano fizera, demorariam pelo menos de duas a três horas de viagem até chegarem em Angra, se não fizessem paradas e sem chamar atenção da policia rodoviária. Tudo estava dando certo, até demais, na mente dos dois agentes da Organização.



“Essa noite vai ser demais”, disse Carne Moída aos membros de sua quadrilha no início da noite enquanto cheirava sua primeira carreira de droga das muitas que consumiria até o momento de saírem. Tinham três kombis carregadas de munição, cocaína e pelo menos cinco dos seus homens de confiança para cada uma. Carne Moída e outros dois comparsas iriam em outro carro, um Vectra, pra dar suporte em caso de problemas. O bonde sairia pela Vila do João, na Avenida Brasil, e tinha como objetivo pegar pelo menos duzentos mil reais dos “manés do asfalto”, somados carros, celulares e outros furtados em ônibus de viagem. Se acaso não conseguissem atingir a meta, simplesmente queimariam três ônibus e diriam que era represália pela morte de algum traficante. Depois escolheriam o nome do homenageado, no momento apenas se divertiriam às custas do povo.

Quando eram precisamente dez horas da noite um dos fogueteiros deu o sinal, avisando que “a polícia já tinha se mandado”. Imediatamente todos correram para seus respectivos veículos e partiram, escutando dos mais diversos proibidões pra dar o clima. Desceram a Av. Brasil em direção a Linha Amarela, entrando na via expressa para entrarem no retorno por Bonsucesso para o sentido da via expressa que daria mais lucro e que serviria de rota de fuga de volta pra Vila do João, caso algo desse errado.

– Já sabem das paradas... Se for casaco azul, é pra explodir a cabeça do filho da puta com fuzil e depois penduramos no morro. – Instruiu Carne Moída, pelo rádio.

– Vai moer eles e vender? – Perguntou um comparsa pelo rádio.

– Polícia não serve nem pra alimentar porcos... Queimamos mesmo no microondas. – Respondeu Carne Moída, fazendo todos rirem de vontade de matar muitos policiais.

– Vamos deixar o olheiro aonde? – Perguntou outro bandido.

– Perto da entrada pra Bonsucesso, a uns dois quilômetros de onde vocês ficarão, já quase na comunidade. – Ordenou Mozart.

– Beleza., estamos fazendo então.

Carne Moída cessou a comunicação e reduziu a velocidade de seu Vectra.Pra não levantar suspeitas, ele sempre fazia isso, reduzia a marcha e dava umas voltas pela região e aguardava o som de tiros. Se não tivessem som nenhum, era porque tudo estava dando certo. Se ouvisse algo, era porque alguém fizera merda e era hora de aloprar. Ele desceria a Linha Amarela descarregando sua metralhadora pra todos os lados, exceto para onde estavam seus comparsas, e deixava uma trilha bem grande de corpos pra polícia limpar. No dia seguinte um contato na imprensa colocava a culpa dos tiros na polícia e uma manifestação complementaria o serviço. Enquanto estacionava seu carro em alguma rua próxima, seus companheiros estavam fechando a pista lateral da Avenida Brasil, no sentido Baixada.





Albano e Fernando se separaram de Amanda. Em virtude da frescura da recém iniciada, acabaram tendo de providenciar um segundo carro para a viagem, de aspecto mais luxuoso que o Chevette, e uma passagem de avião em um jato fretado para Angra. Obviamente Albano reclamou do fato com a Organização, mas ao invés de ser ouvido, a Organização enviou mais um carro para satisfazer os desejos da mulher, dessa vez uma bela Mercedes. Albano desistiu de argumentar e apenas comentou com Fernando que eram todos idiotas por darem ouvido a uma iniciante.

– Ela deve ser importante... – Comentou Fernando, enquanto se sentava no carro e via Amanda ser guiada por outros agentes pra dentro do Mercedes.

– Poderia ser Deus naquele corpo... – Respondeu Albano, já sentado e girando a chave da ignição.

– Porque tanta raiva? Ela é esposa de um político... Ao menos viúva de um. – questionou Fernando, enquanto prendia o cinto de segurança.

– Não é raiva, é indignação... A Organização deu voz a uma qualquer que chegou há menos de uma semana, e um destaque que não é seguro.

– Destaque?

– Tem noção da hora em que estamos começando a viajar? E do carro dela?

– Mas não vamos viajar de jatinho particular daqui da Barra?

– Não, vamos partir do Aeroporto Internacional... Lá na Ilha do Governador.

– E daí? Descemos a Linha Amarela a toda e chegamos lá em uma hora no máximo, até menos.

– Daí? Daí que são dez horas da noite quando deveríamos ter saído as oito e meia, e quando estivermos na Linha Amarela perto do aeroporto, serão quase onze da noite. Não tem lido jornais sobre crimes nas proximidades daquela região?

Com as últimas palavras escutadas Fernando se lembrou das notícias sempre constantes de crimes ocorridos nas redondezas, mas não deu importância. “Hoje é o dia 24 de maio de 2006, uma quarta-feira, e quem em sã consciência faria algo no dia mais morto da semana?”, pensou Fernando enquanto se incomodava com o fedor de mais um cigarro sendo aceso por Albano. Minutos depois uma comitiva de dois carros negros começava sua viagem rumo ao Aeroporto Internacional, onde um avião os aguardava com destino a Angra dos Reis.

– Sabe uma coisa engraçada? – Comentou Fernando, quebrando o silêncio dos primeiros cinco minutos de viagem.

– O que? – Perguntou Albano, prestando atenção na avenida, mas estranhando o tom de voz do rapaz.

– Algumas horas atrás você disse que se eu me deixasse levar pelo estresse me mataria...

– E?

– Bem, essa tal de Amanda deu ordens a torto e a direito, com uma senhora demonstração de frescura, e depois eu que sou o viado aqui...

– Aonde quer chegar? – Cortou Albano.

– Se eu que tinha vinte e quatro horas posso morrer se der um “pití”, porque nada aconteceu com ela?

– Quem disse que nada vai acontecer com ela?



Fernando quase ousou rir com a resposta de Albano, mas preferiu o silêncio. Aliás, ambos se calaram e o silêncio só foi quebrado quando Albano pegou um DVD no painel e colocou para tocar no Chevette. “Cantos Gregorianos, gosto muito de escutar em missão...”, comentou Albano, voltando ao silêncio habitual. E a viagem de ambos continuou sem problemas.




A noite para a quadrilha estava fraca. Apenas tinham roubado dois carros mais ou menos novos (que foram levados para o desmonte imediatamente, reduzindo a quantidade de bandidos presentes) e um ônibus para o aeroporto, que estava tão vazio que apenas valeu a pena assustar os passageiros e fazê-los implorar pelas vidas. De resto, já eram dez e meia da noite e nada. Nenhuma pessoa viva naquele trecho da Linha Amarela além deles mesmos. Já haviam trocado rádio duas vezes com Carne Moída pedindo para irem pra Av. Brasil furtar e não na Linha Amarela, mas a permissão foi negada. E nenhum deles ousaria negar permissão ao bandido, pois sabiam que no dia seguinte seriam servidos no almoço de alguma escola.

Eis que de repente algo de diferente aparece. Através de um binóculo o olheiro da quadrilha vê chegarem dois carros negros em alta velocidade, e aparentemente separados ou talvez disputando um pega. Mas um deles em especial chama muita atenção. É um Mercedes preto, muito, mas muito luxuoso. O bandido de imediato chamam Carne Moída e os demais pelo rádio.

– Caralho! Tem dois carros vindo... Um deles é um Chevette preto velho e o outro é um puta carro... – Diz o bandido pelo rádio.

– Puta carro? - Responde Carne Moída.

– Um mercedão, e não to falando de busão não... É coisa de ricaço mesmo, daqueles de filme. – Detalhou o comparsa.

– Faz o seguinte, vamos mudar o dia de roubo pra seqüestro! Peguem o filho da puta, e se gritar muito matem o babaca e levem o carro... Depois damos jeito. É Jesus na mente! Estou indo para aí... Devo chegar logo atrás dos dois carros pra evitar fugas.

Mozart cortou a transmissão e ligou seu Vectra. Eram apenas dois carros e seus treze homens (pois dois haviam partido e o olheiro estava longe demais) dariam conta do recado. Um deles tinha sido PQD no exército e sabia atirar em pneus se precisasse. Pra confirmar se estava tudo certo, e se os carros não haviam feito nenhum desvio, fez uma nova chamada para o olheiro enquanto começava a descer um viaduto em direção a Linha Amarela. Nenhuma resposta. “Merda, tem alguma coisa errada.”, pensou Mozart antes de escutar o som claro de uma grande explosão.